Os testes indicam que a planta pode regenerar a pele e produzir colagénio
Um projeto conduzido pelo professor Luiz Claudio Di Stasi, do Instituto de Biociências (IB), Campus de Botucatu, e pela empresa Chemyunion, de Sorocaba (SP), apresenta novos mecanismos moleculares com acção contra a flacidez e as rugas descobertas na pêra figo preto (Bidens pilosa). O resultado é um activo cosmético que funciona de forma semelhante ao retinol, sintetizado a partir da vitamina A.
A pêra espinhosa, considerada uma espécie invasiva no campo, demonstrou em testes ter benefícios semelhantes aos retinóides, prescritos em consultórios dermatológicos devido ao seu poder de regeneração celular e síntese de colagénio. De acordo com o estudo, estes resultados não envolvem os efeitos adversos dos retinóides comerciais, tais como irritação da pele, descamação e queimadura. Outra vantagem da erva daninha é que a sua utilização é sustentável, pois cresce rapidamente, o que evita a necessidade de explorar espécies arbóreas maiores para obter os mesmos compostos.
Na investigação realizada com a pêra figo preto, a análise fitoquímica do extracto vegetal revelou a presença de fitotol e ácidos gordos, sinais de possíveis acções estimulantes anti-inflamatórias, antioxidantes, e de síntese de matriz extracelular, todas ligadas a um mecanismo de acção semelhante a um retinóide.
Com base nisso, os investigadores avaliaram as actividades antioxidantes (pela acção de enzimas específicas), anti-inflamatórias (pela quantificação de mediadores inflamatórios como a prostaglandina), e retinóides (pela medição do factor de crescimento de componentes de matriz extracelular como o colagénio e a elastina). Os resultados obtidos mostram que o extracto vegetal funciona de forma semelhante aos retinóides clássicos, que actuam para rejuvenescer a pele, promovendo uma renovação celular muito rápida e eficiente, com uma diminuição das rugas, manchas e um aumento da elasticidade.
Prémio
O teste in vitro foi feito com anticorpos que marcam os receptores retinóides na pele. Os retinóides podem actuar em dois receptores distintos, receptores ácidos (RAR) e receptores não-ácidos (RXR). Os receptores ácidos produzem uma resposta biológica mais intensa, que pode desencadear efeitos indesejáveis. Uma vez que o ingrediente activo da pêra picada tem baixa actividade neste receptor, isto pode ajudar a explicar porque tem um benefício biológico semelhante ao ácido retinóico, mas numa escala menor e sem os efeitos secundários.
A investigação foi premiada em Outubro como o melhor trabalho científico apresentado no 20º Congresso Latino e Ibérico de Químicos Cosméticos na Isla Margarita, Venezuela, e a inovação está a ser testada por uma indústria cosmética brasileira.
Angico-branco
Esta não é a primeira experiência da Di Stasi na área da cosmética. Antes disso, o cientista participou no lançamento do Aquasense, em 2008, desenvolvido com o apoio da Fapesp através de um projecto do programa Small Company Innovative Research (Pipe). Aquasense é um extracto feito a partir da casca dos ramos da árvore angico-branca (Piptadenia colubrina), uma grande árvore da Mata Atlântica, indicada para utilização em cremes, loções e outros produtos destinados a aumentar a hidratação da pele.
O foco da investigação iniciada em 2004 foi a procura de um hidratante activo numa planta da biodiversidade brasileira que estimulasse o mecanismo de síntese da aquaporina. Para o efeito, uma das parceiras da Chemyunion, Maria Del Carmen Velazquez Pereda, recorreu ao Professor Di Stasi do Departamento de Farmacologia, autor de várias publicações sobre plantas medicinais da Amazónia e da Mata Atlântica.
A investigadora, que se tornou parte da equipa científica da empresa como consultora, pesquisou plantas da flora brasileira com potencial hidratante e reparador da pele. A escolha recaiu sobre o Angico Branco, mas foi necessário provar na prática que seria realmente capaz de expressar o mecanismo de interesse.
No caso do Angico Branco, a casca dos ramos é esmagada em pequenos fragmentos, dos quais se obtém um extracto que contém uma classe de polissacarídeos chamados arabinogalactanos, responsáveis por estimular a célula a exprimir aquaporinas. Transportam assim mais água para a pele, deixando-a hidratada. O mecanismo de hidratação do extracto angico branco resultou na publicação de artigos em revistas científicas e prémios em congressos, como o da Sociedade Brasileira de Cosmetologia em 2008.
camapu
Outro produto desenvolvido pela Chemyunion com conhecimentos desenvolvidos na Unesp IB e apoio do projecto Pipe, actualmente a ser testado por uma empresa brasileira de cosméticos, é um activo extraído da planta de camapu (Physalis angulatu) - um arbusto nativo da Amazónia e das regiões Norte e Nordeste - com actividade semelhante à dos anti-inflamatórios corticosteróides, mas sem os efeitos secundários do uso a longo prazo, tais como a secura e o envelhecimento da pele.
A extracção de camapu e picão-preto é feita por um processo chamado extracção supercrítica de CO2. Quando o gás de dióxido de carbono é injectado no equipamento, este passa através da planta e arrasta os activos para longe. Quando o gás é eliminado, não permanece qualquer resíduo de solvente, como nos processos tradicionais de extracção. Da fábrica, obtém-se uma pasta que, misturada com um meio apropriado, torna possível iniciar o processo de rastreio.
"A proposta no caso do camapu foi a de procurar activos com acção anti-inflamatória, semelhantes aos corticóides, amplamente utilizados hoje em dia para tratar problemas de pele e couro cabeludo, tais como prurido, eczema e caspa", diz a bióloga Juliana Tibério Checon, que trabalhou com a planta durante o seu mestrado em farmacologia no IB, sob a orientação da Di Stasi, e hoje faz parte da equipa de investigação e desenvolvimento da empresa.
"Investigámos dentro das plantas dos activos da flora brasileira que tiveram o mesmo benefício que os corticóides actualmente utilizados, mas sem os efeitos secundários", diz Juliana. O estudo começou com o rastreio das plantas in vitro para avaliar se nos cosméticos tinham os efeitos anti-inflamatórios indicados pelo uso tradicional das populações onde a planta é nativa.
Foram investigados vários mecanismos de acção do extracto vegetal, desde a protecção térmica, substituição do colagénio, e possíveis efeitos secundários. Os estudos in vitro dos efeitos do agente activo quando exposto ao calor foram feitos com fragmentos de pele descartados da cirurgia plástica, tais como a cirurgia das pálpebras, obtidos com a permissão do comité de ética.
Os fragmentos de pele foram tratados com 0,1% do produto e outros não foram tratados, para servir de comparação. Depois foram colocados num forno a 40°C durante 90 minutos, simulando o aquecimento causado pela exposição solar, uma situação favorável ao desenvolvimento da inflamação e consequente hiperpigmentação e formação de rugas. Todos os fragmentos foram rotulados por imunofluorescência com anticorpos ao colagénio. Em contacto com a pele, o anticorpo emite luz quando se liga ao colagénio, e é então possível avaliar qualitativamente uma maior ou menor presença desta proteína na pele. "Na comparação entre os dois tipos de fragmentos é possível ver que o extracto de camapu foi capaz de evitar a perda de células e a quebra das fibras de colagénio", diz Juliana.
Os efeitos secundários encontrados nos corticóides foram também avaliados. Nesta análise, as culturas de células da pele foram tratadas com corticóides comerciais e com o ativo do extrato de planta.
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